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Juiz de Fora (MG) - 31 OUT 2019

Qual a melhor forma de nascer?

             O número elevado de cesarianas no país gera debate social      

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O Brasil é o segundo país no mundo com maior número de partos por cesariana. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a taxa recomendada do procedimento deve permanecer de 10% a 15%. Mas no contexto nacional esse número chegou a 55,4% dos trabalhos de partos no ano de 2016. A análise do crescimento massivo do método relaciona-se, na maioria dos casos, a fatores não-clínicos, financeiros e culturais.   

 

Os dados do Sistema de Informações de Nascidos Vivos (Sinasc), apurado pelo sistema DATASUS, entre os estados com maiores índices de cesarianas estão: Goiás (67%), Espírito Santo (67%), Rondônia (66%), Paraná (63%) e Rio Grande do Sul (63%). 

 

No que diz respeito aos partos realizados na rede pública de saúde, 40% ocorrem por meio de cesarianas. Já na rede particular esse índice chega a 84%, variando de acordo com a região.

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As medidas de saúde devem assegurar, acima de tudo, a segurança e o bem-estar das mães e dos bebês. Comprovadamente, o parto normal oferece melhores condições de recuperação e preservação quando comparado ao parto cirúrgico. A médica obstetra, Maíra Lorenzo, explica que a grande adesão às cesarianas se deu a partir da década de 1970, quando a revolução cultural do período combateu o pensamento naturalista. Conforme ela diz: “O parto tornou-se procedimento médico e criou-se a ideia de que era mais seguro o parto cirúrgico.”

 

Maíra alerta para os benefícios da realização do parto vaginal: “São muitos os fatores que afetam as gestantes e o bebê na escolha pelo parto normal, entre eles: a menor chance de hemorragias e infecções; o menor índice de morte materna; a recuperação mais rápida; a descida do leite mais rápida; a menor chance de prematuridade. O contato do bebê com a mãe se dá mais precocemente, além do contato do feto com a flora bacteriana vaginal da mãe ser benéfico ao longo da vida.”

 

Esses fatores motivam ainda mais a discussão acerca da escolha frequente pelas cesarianas. A indução ao trabalho de parto de forma eletiva, ou seja, com o procedimento motivado por questões não-clínicas, se configura como violência obstétrica. Os entraves do debate estão relacionados à falta de consenso médico e científico sobre as tomadas de decisão no processo de gestação, também, no isolamento dos casos, além da normalidade da prática no país. 

 

É inegável o avanço da medicina na preservação da vida, a partir da modernização dos exames e dos tratamentos tecnológicos. Os novos meios ofereceram alternativas menos invasivas e opções inovadoras de cura para os pacientes. Entretanto, com base em uma análise macro das mudanças contemporâneas dos métodos e terapêuticas, destaca-se a indução por uma demanda desnecessária sobre a oferta de serviços de saúde, em distintas implicações da área, dentre elas: a medicalização excessiva, a indução por cesarianas, o mau uso da condição de poder na relação médico-paciente. Nesta perspectiva, a avaliação das razões possíveis para a “epidemia das cesarianas” é uma das reflexões fundamentais para a sociedade. 

 

Mateus Costa, que defendeu em 2018 uma tese de doutorado na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) sobre os impactos financeiros do excesso de cesarianas induzidas no Brasil, acredita que o modelo de assistência obstétrica no país incentiva a cirurgia de cesárea. “Vários estudos mostram que no início da gestação a maioria das mulheres querem ter parto normal, só que ao final apenas 10% delas têm o parto normal. Então algo acontece durante o pré-natal que faz com que as mulheres tenham cesariana - parte delas por questões fisiológicas, mas há uma parte que é induzida pelos obstetras”, observa. 

 

O pesquisador aponta três motivos principais para que o médicos induzam a cesariana: o fato da cirurgia ter uma remuneração maior para os profissionais, o desejo de organizar a agenda previamente para planejar momentos de lazer e a ausência de punição do Conselho Federal de Medicina. 

 

Em consenso com o acadêmico, a médica obstetra, Maíra Lorenzo, acredita que relativo à remuneração a diferença, mesmo não sendo exorbitante, pode ser uma das razões para a indução do parto cirúrgico. Ela explica: “Há alguns anos os planos de saúde pagam mais para um procedimento em comparação ao outro. Nesse aspecto são avaliados o tempo gasto no parto, o instrumental utilizado e o acompanhamento médico.” 

 

As cesarianas sem necessidade clínica oneram financeiramente o sistema de saúde. De acordo com dados da pesquisa Nascer no Brasil, realizada em 2016, a estimativa é de que o setor público gasta no mínimo R$ 10,5 milhões e o setor privado R$ 17,6 milhões com as cesáreas induzidas. Considera Costa: “Esse valor poderia ser usado para outras finalidades. Além do problema de saúde pública, as cesarianas desnecessárias trazem um uso ineficiente de recursos.”

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As orientações médicas

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ARTE: SAÚDE ABRIL

O que pensam as mães

As mães são as principais personagens desse debate. Hoje, a escolha pela forma como se dará o nascimento, em alguns casos, perpassa a construção social de maior segurança, adiamento das dores do parto e planejamento familiar para o fim da gestação. Entre as diferentes razões possíveis, as gestantes avaliam esta tomada de decisão e o que acreditam ser o melhor na hora do parto. 

 

Grávida de oito meses, a vendedora Daniela Regina da Silva, de 30 anos, explica que o fato de estar passando pela segunda gravidez deu a ela uma nova imagem do processo de se reconhecer como grávida. A vendedora menciona que, após a primeira gestação por cesariana - que foi planejada à época desde o pré-natal -, gostaria de ter o seu segundo filho por parto normal. “Hoje eu penso de uma forma bem diferente, vejo o parto normal como menos danoso ao corpo e benéfico para o meu bebê”, afirma.

 

Daniela lembra também a diferença do pré-natal na rede pública. Ela afirma que, atualmente, sente um estímulo maior para a realização do parto normal: “Desde quando comecei a ir ao postinho, a equipe me incentivou a fazer o parto natural, me explicando as vantagens e como seria a recuperação”.

 

Com outra perspectiva, a costureira Lorena Ferreti, de 39 anos, que acabou de ter o seu terceiro filho por cesariana, analisa como positiva a possibilidade de escolha pelas mulheres da forma como será feito o parto. Lorena conta que decidiu pelo parto cirúrgico para realizar a laqueadura: “O meu marido já tem filhos de outro casamento, foi a principal motivação para a nossa escolha. Eu também não desejava mais filhos. Nos dias de hoje com as dificuldades financeiras é muito importante ter esse planejamento familiar.”

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A prática da doulagem ganhou mais visibilidade pela procura do parto natural
ARTE: PINTEREST

Parto humanizado em Juiz de Fora

A médica obstetra Maíra é uma das responsáveis pela criação do Espaço de Parto Humanizado no Hospital Albert Sabin, em Juiz de Fora, pensado para receber gestantes que desejam ter o parto humanizado. O local é individualizado e possui música ambiente, cama, banqueta de parto, banheira de hidromassagem, e controle de luminosidade.

 

A médica diz que a intenção é ressaltar o protagonismo da mulher no momento do parto: “Normal ou cesárea, todo parto deveria ser humanizado. A mãe deve poder decidir, com respaldo médico, o que é melhor para ela”. Isso envolve, segundo Maíra, a garantia da segurança e da dignidade; permite dar a liberdade de movimentação durante o trabalho de parto, deixar a parturiente decidir em qual posição ficar, escolher acompanhante, discutir condutas e respeitar restrições. 

 

Com o mesmo ideal, há o trabalho das doulas, que são definidas como mulheres que servem a outra mulher no parto. A prática da doulagem, durante e após o período gestacional, visa manter as futuras mães e a família informada sobre as possibilidades do parto, esclarecendo dúvidas e indicando materiais que contribuam positivamente na gravidez. Além disso, a doula estabelece uma relação de confiança e afeto com as mulheres. 


A iniciativa no município é coordenada pela Associação de Doulas de Juiz de Fora, que conta com 23 doulas atuantes. O trabalho desenvolve o assistencialismo e troca de experiências por meio de rodas mensais, além do contato pessoal desenvolvido por cada uma delas.

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Roda de conversa realizada pela Associação de Doulas na UFJF.
FOTO: ARQUIVO PESSOAL

A prática não interfere na técnica do parto e nem nos procedimentos médicos. As doulas não precisam de formação específica na área da saúde, mas, no geral, buscam capacitação para auxiliar as mulheres da melhor forma. Tássia Costa desenvolve a atividade desde 2013 e diz que o processo de aproximação com as gestantes se dá principalmente por indicação e pela procura por informações do parto humanizado.

 

“Costumo dizer que a doulagem me encontrou. Sou enfermeira de formação, estava desempregada, comecei a participar do movimento de humanização do parto em Juiz de Fora, fui me envolvendo. Após, tive a oportunidade de fazer uma formação no Rio de Janeiro, e a partir daí comecei a doular e não parei mais”, relata Tássia.   

     

A doula explica que a principal contribuição é a prevenção das gestantes que, munidas de informações com embasamento científico, constroem uma consciência ainda maior sobre os procedimentos necessários e desnecessários. Ela afirma que a cesárea é uma cirurgia muito bem-vinda quando é necessária, mas não deve ser realizada de rotina. 

 

“As causas em que podemos intervir, de alguma forma, é na falta de conhecimento das mulheres sobre os benefícios do parto normal para o binômio mãe-bebê, nos esclarecimentos para desmistificar o medo do parto normal - ligado a histórias familiares, geralmente -, ficando alerta às falsas indicações de cesárea por parte do profissional que acompanha o pré-natal para evitar a conveniência médica”, considera a doula.    


Para quem se interessou pelo assunto, Mateus indica o documentário“O Renascimento do Parto”, disponível na Netflix, que aborda as experiências de mães e especialistas na hora do nascimento. Segundo o pesquisador, o documentário é uma maneira de refletir sobre o assunto, o que ele considera essencial para a melhoria da sociedade. “Michel Odent, um obstetra francês famoso, fala: Para mudar o mundo, primeiro a gente tem que mudar a forma de nascer’. É isso que a gente quer e é nisso que  a gente acredita”, conclui o pesquisador.

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