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Juiz de Fora (MG) - 22 AGO 2019

As religiões afro-brasileiras como símbolo cultural

                                                            um retrato do Brasil de vários Brasis

Arte_-_carybé_-_culturazaliza
arte - candomble - culturaliza
arte - afrobrasileira - culturaliza
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Símbolos culturais, manifestações de fé e patrimônios imateriais de alguns municípios, as religiões afro-brasileiras retratam grande parte da história do país. Dentro do mosaico que representa as influências, características e tradições, essas religiões são, por si só, uma parte importante da construção da identidade nacional. Entre as diversas crenças de matriz africana, a Umbanda e o Candomblé são as mais conhecidas popularmente; no entanto, mesmo com toda a importância para a compreensão da sociedade multiétnica brasileira, o preconceito, o racismo e a intolerância religiosa ainda se fazem presentes.

 

Prof. Emerson José Sena em seu gabinete na UFJF.
Foto: Livia Nonato
Prof. Emerson José Sena em seu gabinete na UFJF.

Publicou e organizou livros, capítulos de livros e artigos na área de Religião, Cultura e Sociedade. Realizou em 2014-2015 um projeto de iniciação científica para compreender o perfil dos professores de religião na cidade de Juiz de Fora.

As origens e o desenvolvimento das religiões afro-brasileiras perpassam a cronologia histórica do Brasil. Para entender essa dinâmica, é necessário rememorar o processo de colonização e todas as implicações religiosas, sociais e políticas que formam a pluralidade cultural. O antropólogo e doutor em Ciência da Religião da UFJF, Emerson José Sena da Silveira, explica que o sistema escravocrata em contato com o catolicismo ibérico durante séculos foi um importante agente para o surgimento do Candomblé e, principalmente, da Umbanda. “Os conflitos e relações legaram, a partir do século XVIII, o nascimento do que conhecemos como Candomblé. Há uma noção de que essas religiões são únicas, mas elas são muito diversas entre si, com estruturas singulares”, diz.

Particularidades

Pautadas na oralidade, com transmissão de ensinamentos, legados ancestrais e a crença nos orixás, as religiões afro-brasileiras se aproximam em alguns aspectos, mas ambas têm estruturas específicas que as diferem. 

 

Silveira destaca os tipos de ritos distintos presentes em uma mesma vertente religiosa. No Candomblé, por exemplo, há pelo menos três: o rito nagô, jeji e angola. “Os orixás, do ponto de vista antropológico, são manifestações cósmicas, forças cósmicas da natureza personificadas, alguns vão chamar de deuses porque tem uma conotação muito politeísta no Candomblé. São muitos os orixás na África, e quando os povos africanos foram transportados para o Brasil, eles foram relidos, reconfigurados, reconstruídos. Esse orixás, com a convivência com o catolicismo, vão ser sincretizados a vários santos católicos”, afirma o antropólogo.

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Quadro comparativo sobre os orixás nos diferentes ritos do Candomblé e o sincretismo no Catolicismo

Material cedido por Emerson José Sena durante a entrevista ao Culturaliza

No que tange às diferenças comparativas entre Candomblé e Umbanda, além do período histórico de surgimento - sendo a primeira em média dois séculos anteriores; e a Umbanda datada do começo do século XX -, Emerson Silveira pontua o tempo de iniciação na religião e as características do rito em cada crença, como explica no vídeo abaixo durante entrevista para o Culturaliza.

A mística personificada

A Umbanda que cultua a crença, orientação e evolução espiritual por meio de entidades que retratam a personificação de alguns personagens específicos relacionados a cultura brasileira. Nesse sentido, cada orixá carrega consigo uma persona mítica com um conjunto de símbolos, adereços, significados e indumentárias que definem uma personalidade. Segundo Silveira, um dos orixás mais famosos são os Caboclos que representa uma releitura do índio - associado à figura de Oxóssi, o deus das matas e da caça -; outro exemplo, são os Pretos Velhos reconhecidos como uma imagem dos escravos africanos que resistiram ao processo de dominação. 

Todo o conjunto corporal dos médiuns reflete a relação deles com essas entidades. Quando os pretos velhos descem, por exemplo, os médiuns expressam essa corporalidade de anciãos, velhos sábios que enfrentaram o processo de dominação com muita paciência e resiliência, geralmente são consultados para questões de disputas, dificuldades e conflitos. Outros conjuntos de entidades reconhecidos correspondem aos Exús, que são as pomba-giras, também chamados de os povos de rua ou povos de esquerda que estão ligadas ao complexo da transgressão, da ousadia, da independência, da sensualidade, da sexualidade.

Emerson José Sena da Silveira
Culturaliza - Imagens religiosas na sala
Figuras religiosas na sala do pesquisador.
Foto: Livia Nonato

"É pureza, caridade e amor"

Depois de frequentar uma igreja presbiteriana e vivenciar a doutrina budista, a estudante de Ciências Sociais Clarice Abreu, 20, diz que realmente se encontrou na Umbanda. Hoje, Cambone (os cambonos são médiuns em desenvolvimento que atuam como assistentes) do terreiro de Umbanda mais antigo de Juiz de Fora (MG), a jovem natural da pequena cidade de Simonésia conta como foi o processo de mudança e aproximação da religião: “Comecei a pesquisar sobre, sempre com muita curiosidade de conhecer. Mas só em 2017 fui junto com uma amiga, e só olhei. Esse foi o primeiro contato. Só de ouvir, observar, frequentar e conhecer; para depois, sim, ir adquirindo mais vivências.” 

Junto ao processo de descoberta da sua mediunidade, Clarice passou a ter mais responsabilidades na sua casa de Umbanda. Ela explica que em dias específicos de preceitos não pode sair, nem realizar atividades sexuais; também deve evitar comer carne vermelha, usar roupas escuras, usar perfumes e cremes. “Tem os banhos de descarrego, todos os processos para estar pronta para ser um médium no terreiro, para dar os passes, as consultas. A compreensão de que todo mundo que trabalha no terreiro tem a sua importância, tanto os médiuns, a mãe de santo,  os cambones - é importante para entender o porquê desses processos”, afirma a estudante.

Culturaliza - Clarice Abreu - Livia Nona
A Cambone Clarice Abreu, durante a entrevista, contou como os preceitos da Umbanda modificaram sua rotina. 
Foto: Livia Nonato

Diferente de Clarice, o comerciante Guilherme Alves, 35, sempre esteve relacionado a uma religião afro-brasileira; no seu caso, o Candomblé. A família, que sempre foi candomblecista, ensinou Guilherme a importância de entender as formas de lidar com preconceitos relacionados a sua fé desde criança. “É muito comum chamarem de macumba qualquer religião de matriz africana, a ignorância é grande. Não diferenciam a Umbanda do Candomblé, consideram orixás como coisas malignas por desconhecer a nossa religião. Todo dia tem que ser uma forma de enfrentamento diferente, do preconceito e em busca da educação, precisamos disso para não ter que continuar escondendo objetos e adereços que representam a minha fé”, comenta.

 

Para a própria segurança, a cambone Clarice diz que evita sair com a sua guia, adereços ou objetos que remetam a religião, depois de ser roubada na saída de uma gira no terreiro em que atua, resolveu não usar mais em público. Sobre as situações de preconceito e violência por intolerância religiosa, a estudante explica que não acredita ser seu papel convencer pessoas a compreender sua fé, mas que está sempre calma e aberta a explicar.

Infelizmente, a situação de violência que ocorreu com Clarice não é exceção, o número de denúncias de agressões a praticantes da Umbanda e o Candomblé subiu 47% no país. Os dados foram coletados pela Lei de Acesso à Informação, a partir de denúncias Disque 100, canal do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos e divulgados pelo Jornal O Globo em janeiro de 2019.

Medidas possíveis

A médium Zenir Paula Leão, 57, começou a frequentar a Umbanda em 1992 para pedir pela saúde de sua sobrinha que precisava fazer uma cirurgia cardíaca. Zenir conta que a jovem foi tratada espiritualmente e curada; depois desse momento, tornou-se praticante e médium. Ela explica o processo de descoberta: “Somente em 2000 entrei para a corrente de desenvolvimento mediúnico. A Umbanda trouxe a minha vida pessoal um crescimento positivo de caráter, amadurecimento, solidariedade, uma fé incondicional para enfrentar as vicissitudes da vida. Me ensinou a caridade, pois sem caridade, não há salvação”. Como medida para lidar com o preconceito, a médium acredita que a solução está no próprios preceitos da religião. “O ser humano, apesar de ter muitos conhecimentos, tem uma ignorância espiritual intensa. Por esta razão prevalece no seu caminhar o preconceito, o egoísmo, o orgulho, o ódio e a ganância para atingir um poder desenfreado”, afirma. 

 

Para compreender as barreiras educativas no cenário regional, Emerson desenvolveu uma pesquisa de iniciação científica em escolas estaduais com o objetivo de traçar um perfil dos professores de ensino religioso no município de Juiz de Fora. A partir da aplicação de questionários, o estudo estabeleceu conclusões sobre materiais didáticos e lúdicos na educação, crenças pessoais, formas de trabalho da disciplina e dificuldades para oferecer um ensino plural e agregador. No áudio a seguir, o antropólogo explica parte do processo.

Medidas institucionais, políticas públicas e culturais têm auxiliado no enfrentamento ao preconceito. Como, por exemplo, a Lei nº. 11.635 que criou o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, no ano de 2007. Também abordando formas de atingir o preconceito religioso, a Lei Contra a Discriminação Racial contém artigos sobre a diversidade de credos. Grupos e coletivos organizados auxiliam diretamente na cobrança aos agentes públicos.

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