Foto: divulgação/INSS

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Previdência seletiva
06 SET 2019 | Livia Maria Nonato
Anos a mais
Os brasileiros estão envelhecendo. A estimativa de vida para 2060 deve ultrapassar os 72 anos, segundo pesquisadores. Junto com a mudança na dinâmica da pirâmide demográfica, as modificações sociais, econômicas e políticas tornam-se novas. Os anos a mais de vida da população estão relacionados diretamente com a organização do trabalho. Neste aspecto, a reforma da Previdência exemplifica uma das possibilidades de alterações desse processo contemporâneo.
A reforma da Previdência é uma proposta de mudança na estrutura legislativa da previdência do país, regida pelo Instituto Nacional de Seguro Social (INSS). A principal alteração prevista é a criação de uma idade mínima para que os contribuintes possam se aposentar - requisito que hoje não é utilizado -, além das alterações específicas para algumas categorias de segurados, por exemplo: os militares e os professores. Se aprovada, terá regras de transição para os trabalhadores que já fazem parte do sistema previdenciário.
O governo afirma que a proposta influenciará no déficit (despesas maiores que a receita arrecadada) previdenciário, que em 2018 chegou ao valor de R$ 290 milhões - de acordo com o balanço do INSS -, e assegurará a aposentadoria futura. A proposta está em tramitação no Senado Federal como pauta prioritária. Com o resultado positivo da votação da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e o parecer do relator, o texto segue para votação final no plenário do Senado e sanção do Planalto.
Dar tratamento isonômico às partes significa tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na exata medida de suas desigualdades.
(Nery Junior, na obra "Princípios do processo civil na constituição federal", 1999).
Linha do tempo
1888: Promulgada em outubro de 1888, a legislação da época previa em seus artigos a aposentadoria para empregados dos Correios. Fixava em 30 anos de efetivo serviço e idade mínima de 60 anos como os requisitos para a aposentadoria.
1923: Lei Elói Chaves (Decreto n° 4.682) consolidou a base do sistema previdenciário brasileiro, com a criação da Caixa de Aposentadorias e Pensões para os empregados das empresas ferroviárias.
1930: O Ministério do Trabalho, no governo Vargas, suspende as aposentadorias das Caixas de Aposentadoria e Pensão e promove uma reestruturação do sistema.
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1960: Criação da Lei Orgânica de Previdência Social, Lei n° 3.807, unificou a legislação referente aos institutos de aposentadorias e pensões. Todos os trabalhadores urbanos eram contemplados pelo sistema, em 1963 os trabalhadores rurais foram inseridos ao sistema de previdência.
1988: Com a Constituição Federal de 1988, instituiu-se a Seguridade Social. Tendo por base a Saúde, Previdência e Assistência Social. Compreendendo as aposentadorias, pensões, auxílio-doença, salário-maternidade, salário-família, auxílio reclusão, SUS, entre outros.
1998: Instituída a primeira PEC de modificação no sistema previdenciário. A Emenda Constitucional nº 20 estabeleceu um eixo de reforma da Previdência Social.
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2003: A PEC 40 instituiu mudanças e critérios de contribuição para os servidores públicos inativos e fixou a base de cálculo para a aposentadoria.
2007: Com base em duas leis do período, o valor dos benefícios mantidos pelo INSS passaram por reajustes anuais na mesma data do reajuste do salário mínimo, com base no Índice Nacional de Preços do Consumidor (INPC).
2016: PEC 287/2016, apresentada por Michel Temer, estabelecia para todos a idade mínima de 65 anos para os homens e 62 anos para mulheres, com valor do benefício limitado ao Teto do INSS (R$ 5,531).
2019: Proposta feita por Jair Bolsonaro, tramitando como prioridade no Senado, modifica a idade mínima e o tempo de contribuição.
Fonte: Youtube/GYPHY
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O que você precisa saber sobre a reforma
A reforma da Previdência vai modificar a forma como a sociedade brasileira irá se aposentar. A mudança principal para o atual sistema é a criação de uma idade mínima, sem atingi-la não é possível se aposentar.
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Um importante ponto a se enfatizar é que a mudança não altera os pagamentos para os já aposentados e beneficiários. Apenas para os trabalhadores já contribuintes - que integram as regras de transição - e àqueles que ainda entrarão no mercado e contribuirão para a Previdência.
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A principal tese defendida para realizar a reforma é o equilíbrio das contas do INSS para sustentar o sistema financeiro e garantir a aposentadoria futura. Especialistas contestam a forma como foi feita a proposta da nova Previdência.
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Pelos dígitos
16 milhões: quantidade de aposentados do sistema INSS
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14,1%: percentual de pensionistas e aposentados comparado a toda a população brasileira
2 em cada 3: aposentados recebem o valor de um salário mínimo
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63%: valor percentual das aposentadorias por idade na Previdência
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61,2: média de idade atual de aposentadoria para mulheres
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65,6: média de idade de aposentadoria para os homens
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Os números em jogo
As principais mudanças
Um dos principais pontos de mudança que o texto-base das novas regras da previdência propõe é o estabelecimento de uma idade mínima para solicitar a aposentadoria.
A proposta do governo prevê o benefício para mulheres a partir dos 62 anos, sendo o tempo de contribuição de 15 anos de trabalho para atingir o pagamento de 60% do teto possível do benefício. Já para obter o valor total do pagamento, será necessário contribuir por 35 anos - pelo regime geral, que corresponde as contribuintes que não são servidoras públicas.
Na mesma modalidade geral, os homens precisam de no mínimo 65 anos de idade e contribuição de 20 anos para a aposentadoria parcial. Para a integralidade do pagamento, os trabalhadores precisam cumprir 40 anos como contribuintes da previdência. Um dos adendos das novas regras para atingir o pagamento de 100% da aposentadoria, é o acréscimo financeiro de dois por cento a mais para cada ano trabalhado.
A idade mínima para os servidores públicos será a mesma do regime geral, no entanto, o tempo de contribuição diminui para 25 anos como contribuintes, independente do sexo. Para o quesito de cálculo dos benefícios de aposentadoria, a mudança feita será a consideração de todos os salários do segurado desde a entrada no sistema, ou seja, utilizando os de menor valor; diferente do que é realizado no atual procedimento previdenciário, onde se utiliza apenas as 80 maiores contribuições.
Fonte: Youtube/GYPHY
Os trabalhadores rurais terão que atingir o tempo de contribuição de 15 anos, com idade mínima de 60 anos para os homens, e 55 para mulheres.
Para os docentes da iniciativa privada o tempo de contribuição de base é de 25 anos, acompanhado do requisito de idade mínima de 60 anos para homens e 57 para mulheres. As especificações para os professores do setor público são as mesmas, com a particularidade de dez anos de serviço público e cinco anos no cargo. Definindo a obrigatoriedade de idade a categoria, além do aumento do tempo de serviço.
Outras classes que terão regras diferentes são, por exemplo, os policiais federais, civis e agentes penitenciários que poderão se aposentar aos 55 anos de idade. Depois de extensa negociação, foi proposta a redução da idade mínima para que os trabalhadores deste grupo cumpram a regra de 100% de pedágio para a aposentadoria integral.
Entre as alterações mais polêmicas do texto em análise, após a votação mais recente, o pagamento de pensões por morte passará para o valor 60% com acréscimo de 10% por dependentes do segurado - na regra atual o benefício é pago em sua totalidade -, porém, o pagamento não poderá ser menor do que o salário mínimo, em casos que o dependente não possua outra renda.

Casos particulares
Superávit ou Déficit?
O debate sobre as necessidades e as justificativas para a efetividade da reforma divide estudiosos e entidades. O Governo Federal defende a tese de déficit nas contas da Previdência, enfatizando que o atual sistema já não é capaz de sustentar as despesas ocasionando, portanto, na retirada de recursos de outras áreas para a manutenção das contas do INSS.
Do outro lado do debate, os opositores à mudança e entidades, com destaque para a atuação da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (ANPIF), contestam os apontamentos presentes no texto em trâmite. A ANPIF realizou um extenso estudo detalhando os motivos pelos quais afirma que o posicionamento governamental é inconsistente e os cálculos foram feitos de maneira errada.
Para entender parte da problemática, é preciso voltar alguns passos. O primeiro deles é a compreensão da Previdência como integrante do sistema de Seguridade Social - que engloba também a área da saúde e da assistência social -; sistema este que têm as contas em orçamento único e demonstra não haver defícit, como indica a pesquisa. A ANPIF enfatiza que o cálculo proposto para a reforma foi realizado apenas levando em consideração as despesas da previdência, mas sem adicionar a equação as receitas do órgão.
Além disso, a Associação destaca que, mesmo na busca de dados e da transparência do cálculo do mencionado defícit, não é um modelo de fórmulas aplicáveis que proporciona fazer previsões para 2060, argumento lançado pelo governo para defender a pauta. A nota técnica escrita pela ANPIF e FAETS detalha o processo de inconsistências do modelo de projeção econômicas prevista na reforma da Previdência.
Em contraponto, os relatórios do Tesouro apontam que, desde a gestão Lula, a Seguridade Social não tem superávit - diferença para mais entre uma receita e uma despesa -, e sim um déficit que cresce a cada ano. Sendo as principais receitas da Seguridade: As contribuições previdenciárias e sociais.
Papo de especialista
A economista e pesquisadora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Denise Lobato Gentil, coordenou a nota técnica da ANPIF citada acima. Estudiosa do tema há anos, ela participou recentemente de um congresso na cidade de Juiz de Fora (MG) e abordou o conteúdo do trabalho científico - que também embasa a sua tese de doutorado e outras pesquisas -, que reuni as informações e inconsistências da proposta de reforma. Ouça no áudio abaixo um trecho da palestra.
Em caso de aprovação da reforma da Previdência em todas as instâncias de poder, prevista para 10 de outubro pelo calendário do governo, será apresentada a PEC Paralela que têm por finalidade incluir pontos que foram retirados do texto-base durante a tramitação - pela avaliação da Câmara e do Senado. Essa PEC pretende, principalmente, incluir a reforma estados e municípios, além flexibilizar regras, tornando-as mais brandas para algumas categorias de segurados, como os policiais.
A seguir
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